sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Filosofia: do panteon à escola, Opinião, A Tarde. 14/12/2007

       A pesquisa e o ensino de filosofia no Brasil já foi tarefa realizada por padres, advogados, médicos e engenheiros que conheciam bem os idiomas estrangeiros e que dividiam a atividade filosófica com sas ocupações genuínas. Um pessoal inteligente, diletante, de opinião própria, mas muito mais afeita a uma filodoxia (amor à opinião) do que à filosofia (amor à sabedoria). Por isto, o que se fez por aqui nesses tempos não foi suficiente para garantir o desenvolvimento nem da filosofia, nem de uma educação filosófica em sentido civil.

    A partir dos anos 30, a psquisa filosófica se profissionalizou seriamente no País. Vários cursos de mestrado e doutorado contribuíram para criar entre nós a figura do especialista. Houve, a partir de então, um indiscutível salto de qualidade nesse processo e um inegável enriquecimento cultural, que s revelou, entre outras coisas, numa quantidade crescente de traduções e comentadores. Formamos hoje por ano dezenas de mestres e doutores em filosofia, que, na qualidade de historiadores e exegetas do texto filosófico, são capazes de realizar trabalhos de pesquisa com a mesma competência de qualquer bom intelectual europeu da mesma origem pátria dos filósofos que já fazem parte do panteon. Aliás, graças aum intenso intercâmbio, boa parte da formação desses profiossionais é feita nos países de origem dos autores que eles estudam; o que é uma condição fundamental para o tipo de formação que se pretende fornecer a esses profissionais.
    Mas o ensino da filosofia nas escolas ainda não atingiu um patamar compatível com a esperança manifesta na sociedade quanto ao seu retorno como disciplina obrigatória do ensino médio, depois do eclipse pós-ditadura. Se, por uma lado, superamos no âmbito da pesquisa os vícios de um beletrismo pouco especializado e de uma escolástica insossa, por outro, produzimos - isso desde a criação da USP - uma filosofia que, ao meu ver, é ainda excessivamente tímida e colonizada demais para ser capaz de envolver e entusiasmar o aluno do ensino médio. Além disso, esta filosofia de caráter mais rígido e acadêmico tem se mostrado, no geral, bem pouco interessada nos problemas nacionais, em particular nas questões relativas à educação básica.
    O ensino da filosofia, que a Secretaria de Educação do Estado tem discutido com professores das escolas públicas da Bahia, pretende aproveitar o ganho de qualidade obtido no refinamento da pesquisa, sem abandonar sua natureza didática e pedagógica. Devemos ser capazes de motivar a reflexão a partir de questões que realmente interessem aos alunos.
    O ensino de filosofia deverá, portanto, incorporar, além da pesquisa rigorosa, um compromisso com a qualidade do seu aprendizado entre pessoas que não pretendem ser especialistas. Eis o nosso desafio: conduzir os filósofos do panteon ao caminho da escola, conversando de maneira inteligível com os alunos - recriando um tipo de diálogo que, desde sempre, fez da filosofia uma prática social e educativa.


Ricardo H. Andrade é diretor de formação e experimentação do Instituto Anísio Teixeira. 

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