sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A invenção do diabo, Opinião, A Tarde. 19/6/2010.

Um amigo contou uma anedota que, além de risos, me suscitou reflexões sobre a vida universitária. Deus e o diabo seguiam em disputa. Deus criava o bem, mas o diabo, criando o oposto, sempre o superava. Então, Deus lançou seu derradeiro desafio: inventaria algo próximo da perfeição e com o mais alto nível de complexidade possível. Deus criou, então, o professor universitário. Depois de uma gargalhada satânica, o diabo anunciou sua superação: inventou o colega do professor universitário.

Mesmo conservando um alto grau de prestígio, há muito tempo o discurso científico perdeu sua áurea de neutralidade axiológica. Penso que isto tem algo a ver com o clima de disputas de egos do ambiente universitário. Lugar de vaidosas luzes ofuscantes, a universidade se tornou inóspita para muita gente inteligente. Sartre não optou por uma carreira universitária, talvez porque soubesse que lá “o inferno são os outros”.

Obviamente, desde que a ciência se tornou um trabalho coletivo, muitos avanços foram possíveis. É claro que a crítica não condescendente é sempre edificante. Mas o contexto da descoberta e da divulgação do trabalho científico é prenhe de histórias da mais baixa espiritualidade. Tramas, plágios, tramóias e um elenco infinito de expedientes sórdidos comparecem quando o fito é comprometer o trabalho alheio e arranhar reputações morais. Nesta guerra, passa-se do plano profissional ao pessoal em argumentos ad hominem que não disfarçam sua hostilidade vil.

Arrogante, detrator e não raramente perseguidor o colega do professor universitário é quase uma ameaça a qualidade do trabalho científico dos pares. Manipulando o quadro de horários, castigando nos pareceres técnicos, vetando a participação em projetos, este colega é um algoz implacável, sobretudo quando consegue um cargo qualquer de chefe de alguma coisa. Como saber é poder, o colega sabe o quanto pode ferir e trapacear. A universidade vive num eterno estado de natureza (em sentido hobbesiano): magister magistri lupus, um estado de guerra no qual o mestre é lobo do mestre.
 
Ricardo Henrique Andrade
Professor de filosofia da UFRB

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