sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ultrarrealismo na Televisão, Opinião,A Tarde. 5/6/2010.

Ricardo Henrique Andrade*


Surge um novo gênero de reality TV: uma variante pérfida do documentário policial. Acostumamos-nos com a habitual bestialidade do noticiário policial da TV, mas não podemos transigir com alguns excessos. O que tem se visto não é apenas ficção de mau gosto. Amiúde grosseiro e sanguinário, num efeito de ultrarrealismo, o que foi criado para mostrar os crimes tem se tornado algo potencialmente criminoso. Como conseguiram piorar o que já era péssimo?


Ao filmar operações policiais a TV as tem influenciado, aviltando ainda mais a imagem dos supostos “antagonistas” e emoldurando os flagrantes abusos de poder numa narrativa capaz de emular com as manifestações dos mais baixos instintos pré-civilizatórios. Policiais e repórteres realizam um “documentário” macabro, correm ofegantes por ruas sombrias mostrando a “guerra sangrenta” que o trabalho deles ajuda a promover. Armas, viaturas, refletores se misturam às câmeras, microfones e cabos. Quem assina o roteiro? E a direção? Será que pagam algum cachê aos “protagonistas”?

Para quem o assiste cotidianamente, o mal na TV já não cria perplexidades, banaliza-se como feijão-com-arroz de uma existência alimentada pela desgraça. Chavões truculentos e uma sonoplastia trash criam a ambiência psicológica ideal para a apreciação dos horrores. A perseguição narrada aos berros, o pranto das mães sob cadáveres perfurados e os casos de pedofilia aparecem mixados entre anúncios de “remédios” e da agiotagem legalizada.  


Os suspeitos nesse “documentário” são abordados como culpados por pistolas e microfones num depoimento simultâneo para polícia e para o programa. Representantes do poder público ganham com a fama de implacáveis. É espantoso ver autoridades que parecem apoiar este flagrante desrespeito aos direitos humanos, eles comentam as cenas mais sórdidas e recebem elogios entusiasmados dos apresentadores pelo seu trabalho, sobretudo quando é notoriamente violento. Este gênero de programa policial não é jornalístico, nem etnográfico, é um atentado repugnante contra direitos fundamentais.



* Ricardo Henrique Andrade é professor de filosofia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Email: reseandrade@gmail.com.

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